Sandra, a apicultora alérgica a abelhas
Foi a primeira mulher transmontana a dedicar-se totalmente à apicultura. Em oito anos consolidou a marca de mel biológico Montesino a nível nacional. E orgulha-se de “nunca ter precisado de procurar clientes”. Nome a fixar: Sandra Barbosa.
Uma vez uma senhora perguntou-me que mel tem? E eu respondi: mel de rosmaninho, de urze…E mel de abelha não tem? E eu quase não soube reagir”. Sandra ri-se com gosto, ao recordar a conversa tida há alguns anos numa feira gastronómica, mas na gargalhada há também alguma frustração. A apicultora sabe que há ainda “muita ignorância” sobre o mel. Poucos saberão que o sabor do mel é determicado pelo néctar predominante recolhido pelas abelhas.
Se estas se alimentarem” sobretudo de urze e castanheiro, o mel terá um sabor forte e ligeiramente ácido, se o néctar provier de rosmaninho, então o mel será mais leve e doce.
Dedicada há oico anos à apicultura, Sandra produz das duas variedades de mel, mas tem uma clara preferênicia pelo das zonas altas do Parque Natural de Montesinho, em Bragança, onde predomina o castanheiro e a urze. Escuro e intenso, rico em antioxidantes e flavonaides, é um mel “com caráter, tal como o vinho tinto”. Chama-lhe a “essência de Trás-os-Montes”, impossível de reproduzir noutras zonas do país, porque em mais nenhum lado se registam amplitudes térmicas que vão dos 10 graus negativos no Inverno até aos 40 graus positivos no Verão. “Só plantas muito resistentes e bravias conseguem resistir a condições tão adversas”, assinala. E nós acrescentamos: só abelhas muito lutadoras conseguem despertar de uma hibernação tão longa e produzir mel com afinco durante apenas algumas semanas.
Foram estas singularidades transmontanas que fizeram com que, em 2004, Sandra equacionasse dedicar-se profissionalmente à apicultura. Na altura, dava aulas no Instituto Politécnico de Bragança, mas em breve ficaria sem trabalho. “Não queria ser uma profissional das bolsas”. Tencionava manter-se na região, já na altura deprimida economicamente. Com uma licenciatura em Engenharia Biotecnológica e um mestrado em Quimica de Produtos Naturais e dos Alimentos, cuja tese se debruçou sobre o pólen do Parque de Montesinho, Sandra só tinha um caminho: criar um negócio naquilo que sabia fazer. E assim nasce a Montesino em 2006.
Profissão? Apicultora
Com uma orgulhosa surpresa, a apicultora viu o seu projeto ser aprovado a 100% pelo ProDer (Programa de Desenvolvimento Regional). Mas Sandra ainda não sabia onde se “estava a meter”. Não sabia que uma cooperativa (para onde pensava vender todo o mel) só paga a produção deste ano no ano seguinte. Não sabia que isso era prática corrente no mundo apicola, porque a maioria dos apicultores faz da produção do mel um hobbie. E não sabia que, no mesmo ano, começava a produzir, criaria uma marca e venderia toda a produção no mercado. “Surpreendeu-me a sede que o mercado tinha de um produto transontano!”
Em oito anos de trabalho a Montesino nunca teve de procurar clientes. “Isso diz muito do nosso produto”.
Das 300 colmeias que tem espalhadas pelos soutos tramontanos e pelas margens do rio Sabor, recoIhe seis toneladas de mel, insuficientes para satisfazer a procura. Por isso, agregou-se a outros apicultores que partilham da mesma filosofia de negócio: o modo de produção biológico. “Se temos um território onde andamos quilómetros e quilómetros sem ver uma estrada ou uma casa, porque vamos sujar o mel com compactos quimicos? Não faz sentido.”
Com a ajuda dos parceiros, a produção duplicou, mas em 2013 um colmeia de onde se retirava uma tonelada de mel rendeu apenas 100 kg. 40 graus de temperarura durante uma semana em plena época de floração foi o suficiente para fazer cair a flor e parar a polinização em Trás-os-Montes. Nenhum apicultor teve direito a subsídio de calamidade. É preciso mais espírito corporativo, mas não se reivindica!”
Mel, a “nova” castanha
A entreajuda é fundamental para Sandra Barbosa, que não pode fazer o maneio às colmeias sozinha. Se no início, as picadas de abelha eram “medalhas de honra”, hoje só a simples morte de algumas abelhas e a libertação da apitoxina provoca Ihe reações alérgicas fortes. A apicultura tornou-se mais vulnerável ao longo dos anos ironias do destino que não a fazem desistir.
Prefere as lojas regionais às grandes superficies, com exceção do Club del Gourmet e do El Corte En gles. Ou seja, colocar os ovos todos na mesma cesta não faz parte da sua estratégia. Assim como exportar. “Eu não sou uma produtora enorme. Para quê exportar, se vendo tudo no mercado sazonal?
Para exportação envia própolis, uma substância resinosa libertada pelas plantas que as abelhas recolhem para reforçar as peças da colmeia e estabilizar a temperatura e humidade no interior. Tem propriedades antimicrobianas, antifingicas, antiflamatórias, entre outras, e por isso é muito procurada pela indústria cosmética e farmacêutica.
No mel de montanha de Montesino os analistas alemães encontraram maior concentração dessas propriedades que noutros méis.
O problema é que cada colmeia só produz 150 gramas de própolis por ano – e por isso é preciso otimizar a produção e associar mais apiculrores, para que a região se torne uma referência forte no mercado. Medo da concorrência é coisa do passado. “Cada um deve fazer do negócio o espelho do seu caráter.” E, já agora, acrescentar alma transmontana.